Acidente deixa o Vôo de luto


Terça feira ,feriado de finados fica marcado como o primeiro acidente
fatal de parapente , em São Conrado em 11 anos de esporte.

Relato de Carlos Millan

Feriado de Finados, terça feira 2-11,era 7:30 da manhã, toca o telefone,... atendo... ,cheio de sono ,era o Renato .
Tava empolgadão para voar ,era um lindo dia,céu azul, me arrumo rápido e desço,na garagem ,minha velha Parati jasia com o pneu arriadão.Droga ia me atrazar para aquela tremenda farofa, quem sabe um novo Cristo como da semana passada.
Quando cheguei na lagoa ,meu caminho obrigatório,vi nuvens passando rápido,na direção leste,isso me fez desanimar e dar uma prioridade ao pneu furado,mas naquele dia feriado passei em 3 borracheiros ,tudo fechado, tentei aquele da subida das Canoas, tava aberto ,legal.
Foi quando o Renato já da Praia me ligou de novo...-E aí bicho...?-Tá chegando?ele sempre falava assim.. .
Expliquei o meu drama e já iria encontrá lo,fiz mensão as nuvens que lá em cima passavam
meio rápido sobre a rampa.O dia anterior tinha sido marcado pele incidência de ventão.
Encontrei o cara logo depois ,lá estava ele sempre gentil e simpático ,com a sua esposa e seu
pequeno, todos ali para ver o vôo do Papai com seu parapente novo recém ,adquirido.
Pudera depois da propaganda que ele fez do vôozaço que fizera na vespera ,no domingo...E que me deixou feliz e orgulhoso do menino,pois eu lhe encinei a voar.
Renato era sem dúvida uma boa promessa,tinha tudo para ser um ótimo piloto,era calmo , frio , habilidoso ,tinha uma ótima noção de time do parapente,só pousava na graminha ,fazia tudo com muita segurança e habilidade. Tinha comprado um novo parapente ,o Eletron , o seu antigo era um Uno,pequeno para seu peso e agora se sentia turbinado.
Mas aquele dia estava meio estranho,na praia um ventinho meio forte para aquela hora da manhã.
Sugeri então que não subissemos logo, pois tinha um paraca montado a muito tempo lá em cima, era certamente um indício de condição não ideal, vento lateral ,sei lá... caudal,pois ele nunca decolava,demorou ,demorou ,até que foi...Era o Renato Pereira,com seu Proton.
Fez um vôo bonito ,após algumas ralações botou pra cima na enroscada e foi...
Foi pra Gávea,aí começava um belo vôo de farofa .Começava uma revoada que prometia...
Logo depois Lulu ,Marcelo Abdo voando no Futura do Toledo fizeram uma Gávea linda!
O Renato ,querendo que eu subisse como companhia,queria que eu tirasse umas fotos ,as primeiras (ele não tinha nenhuma foto voando ,naquele dia veio equipado com camera fotográfica com o paraca novo),mas ele não conhecia muita gente em São Conrado, o Waltinho era uma das poucas exceções ,a quem comprou o Eletron.
Eu acabava de receber uma ligação do Pedro Chaves a respeito de uns duplos de uma familia paulista em que 3 iriam voar.
Não poderia mais subir com ele ...então avisei lhe da mudança dos meus planos, reparei que ele
estava entretido, observando admirado o vôo lindo que a galera fazia.
Havia algo errado,porém, algumas rajadas fortes ...,lapadas de vento que em alguns momentos
levantavam poeira ,mas alguns momentos que abrandava também.O Lulu comentava com o Alvaro que ele estava amarelado, tava a maior farofa e ele não fora subir pra voar.
10:30: ele resolveu subir com ex alunos do Waltinho acho ,me despedi rápido e pedi lhe que tomasse as precauções necessárias devido ao vento e eu ficaria até 11:00 para subir com os paulistas, que eu iria voar duplo e que me aguardasse que poderiamos voar juntos.
Logo depois que ele subiu, o vento ficou bem mais forte o mar agora estava encarneirando,vi o Rui Marra aproximando pelo meio e pousando junto ao Quiosque do Carlinhos,agora ficava preocupado,eu ia voar duplo e o Renato subira pra voar.
Quando chegaram ,os paulistas, havia uma menina de 13 anos de 45 Kg a qual resolvi passá la para o Saquá ,por ser mais leve e ela queria mesmo voar de asa delta.
Subi no Honda Civic deles, quando cheguei lá na Rampa ,tive a notícia que 2 haviam sido voados,para traz da Gávea , o vento na rampa era forte porém perfeitamente voável,mas na praia eu via um mar esbranquiçado, muitas asas e alguns parapentes na Agulinha um deles era o Free X do Martin.
Comentei com o Hélio que estava na rampa e perguntei se iria decolar ,ele disse que iria observar,
comentou o fato dos parapentes que foram e não voltaram .Decidi que esperaria e fiquei observando o vôo lá da rampa , foi quando vi o Renato, ele estava no meio da praia descendo reto ,comentei com todos: -Olha lá o Renato
Olha ! Ele é muito bom, avaliando a condição e fazendo o certo, perdendo altura no lugar certo...(comentava eu com o Hélio ,com um certo orgulho dele).Ele perdia altura ,como eu havia visto o Rui Marra fazendo,quando de repente para minha surpresa ele mandou para o tunel, aí eu tremi, mas ele conceguiu ainda voltar ,ele continuava parachutando lentamente, para meu alívio.
De repente mais um bordo para tras,agora estava sobre o mar e voava pra tras ,mais uma curva, dessa vez para cima do tunel.Agora voava lentamente para tras derivando para dentro do morro, para dentro e para tras mas desta vez de ré. Muita turbulencia por ali, agora mais atras ,em um segundo ,uma negativa e desapareceu da minha vista, -que chato arborisou pensei eu...Logo depois veio o Helicóptero,em questão de segundos, decola e pousa no Gramado,de lá de cima pensei ,o Renato já arrumou o taxi aéreo e vai chegar de helicóptero.
Tinha acontecido muita coisa em pouco tempo ,agora eram 3 que passavam para tras inclusive o Renato.O Hélio agora descia desistindo de voar de vez,eu também desitia , mas esperaria para ver a menina decolar com o Saquá. Eu esperaria mais alguns minutos e liguei para o Renato.Atendeu a secretária, disfarçando alguma preocupação , deixei recado,para ele me ligar,assim que fosse possível e dizendo que com certeza que estaria tudo legal com ele.
Enquanto isso esperava a menina decolar com o Saquarema, fico um pouco guia turístico, quando cicerono alguém que está sobre minha responsabilidade,mesmo quando não vôo, naquele momento disfarçava a minha preocupação com aqueles turistas ,pois o Renato não tinha retornado a ligação , ainda e a demora para o Saquá decolar com a menina me angustiava.

Toca o telefone pra mim.
Foi o pior telefonema da minha vida ,sem dúvida .
O Hélio me disse:
-O teu aluno morreu.
Isso veio como uma punhalada ,uma dor aguda me abateu.
Que sacanagem ,pô Hélio com isso não se brinca ...
Eu ainda aguardei alguns minutos para descer ,estava transtornado,pensava em tudo ao mesmo tempo,minha cabeça rodava,rodava...O Renato?... não podia crer ele que era tão seguro , tão habilidoso ,tão bacana , meu amigo .Estava comigo a meia hora atras ...
Na praia o astral ou melhor ,o baixo astral dava pra sentir de longe.O primeiro a encontrar foi o Waltinho,seu camarada e amigo também, estava maluco.
O Lulu arrasadão... ,mas havia alguma esperança ,alguém dissera que havia pulso,e foi com essa esperança que me apeguei no longo engarrafamento que encarei de São Conrado até o Lourenço Jorge.Afinal há sempre tanta precipitação nas informações.

Quando lá cheguei, foi só tristeza, como o Renatinho seu filhote que estava sem saber de nada, o Renato Pereira que estava lá segurando as pontas, tentando distrair o menino enquanto a Cris sua esposa voltava lá de dentro em prantos,o Rui Marra estava lá,além do China, da Camira e o namorado além do Salada que foi quem me deu a notícia do triste fim,desfazendo as minhas últimas esperanças...
O Renato Pereira depois de tudo teve uma crise de choro que nunca vou esquecer.
Fiquei lá com eles seus familiares ,velando meu amigo,até a hora da remoção.Não o vi sem vida graças a Deus,seria demais.
A causa da morte ,ele teria se chocado e cravado na fenda de uma pedra e teria tido fratura da cervical em vários lugares,teve hemorragia e morreu na hora, segundo depoimentos posteriores.


Da minha parte acho que o Renato Seixas (meu amigo e ex aluno,formado em dezembro de 98,foi o primeiro dos meus alunos e só tinha elogios para ele),mas cometeu vários erros de estratégia de vôo.

O primeiro, ter retardado o seu pouso quando a condição foi ficando limite,não teve a observação do mar,um dos primeiros sinais que o vento tinha acelerado.
O segundo, ter feito aproximações para cima do tunel com aquele vento,duas vezes sendo a última imperdoavel.
O terceiro, quando tudo estava quase perdido ter ido para o rotor, quando poderia ter optado pela arborizada.
O quarto , apezar de ter um acelerador dado por mim a muito tempo atras,(estava dentro da selete) e ele nunca lembrava de instalar.
O quinto, ter decolado sem observar os seus limites.

Justificativas , conciderações ou teorias:

O Renato estava testando um novo paraca e estava deslumbrado,pois se sentia muito mais poderoso
O vôo que ele havia realizado na véspera,lhe havia dado essa ilusão.
O Renato queria que lhe fossem tiradas fotos ,como a esposa estava no pouso,ele talvez quizesse pousar junto deles, para ser focado mais de perto,num pouso no gramado .
O paraca não era dele, o seu estava sendo comprado já pago,esse era do Waltinho e ele estava testando,talvez tenha evitado arborisar para evitar danificar o equipamento que não era dele ainda e talvez tenha tido a intenção de pousar num pequeno pátil atras do túnel.

Muitos outros pilotos ,principalmente novatos ,já foram jogados para o rotor do tunel,sendo um acidente ou incidente corriqueiro dos mais praticados em São Conrado e que eu me lembre ,nunca vi acontecer nada em termos de danos ou lesões.

De qualquer maneira nada se pode fazer mais ,a não ser tirarmos as lições para que implantemos de agora em diante procedimentos de segurança para todos que tentemos cercar de todos os meios e maneiras ,formas de proteção que sejam possíveis e é isso que ficou decidido na reunião de quarta feira em que várias normas de segurança foram planejadas ,e espero que concigamos por toda a teoria na prática.
Pois da teoria a prática existe uma longa estrada a ser cumprida.

Passo então alguns ensinamentos de alguém que concidero um dos melhores pilotos do Brasil,profundo conhecedor de São Conrado e seus macetes.

Veja procedimentos de emergência de Marcelo Araripe

Email de Marcelo "Rambo"Araripe de 5 -11

Galera, vamos lá!! Mais uma vez trocar a fechadura depois da porta arrombada.......
    As condições em São Conrado são bastante previsíveis. É possível visualizar o ventão E/NE, na
camada de 0 a 400 m, antes que este chegue na bacia de São Conrado. Isto é feito observando-se o mar na direção do Arpoador e da Ilha Rasa (a do farol). A superfície do mar começa a ficar encrespada e observa-se os carneirinhos desde o Arpoador. Normalmente o ventão demora +/- 10 minutos para pipocar em São Conrado, tempo suficiente para sair da roubada, basta estar ligado no vôo e no que acontece ao seu redor.
    A aceleração do vento na camada acima de 400 m ( aquela que joga a galera no rotor da Gávea),
normalmente é anunciada pela formação de nuvens stratus ou stratus-cumulus sobre o mar em frente à Ipanema e Leblon. O aumento da velocidade do vento nestas duas camadas pode não acontecer ao mesmo tempo, bem como pode vir de cima para baixo ou vice-versa.
    Nos dias em que dá Gávea desde cedo de E/NE (a partir de 10:00 solar) é quase certo que a partir do meio-dia o vento engrosse e depois das 14:00 fique "invoável".
    Quanto mais próximo se voa da Pedra da Gávea, maior é a velocidade do vento devido ao efeito
Venturi. Nos dias de vento mais forte, nunca voe atras de uma linha imaginária, perpendicular ao
litoral e que tangencie a encosta E da Gávea. É uma boa precaução para não andar de ré sobre o túnel e/ou não cair no rotor da Gávea. Nos dias de Nordestão, a velocidade do vento acelera bastante junto ao paredão S da Gávea, principalmente abaixo do seu topo.
    O rotor da Gávea é MUITO forte,a esteira de turbulência se estende por mais de 2 Km
(aproximadamente 3X sua altura), num setor que se inicia entre o Clube Costa-Brava e o Quebra-Mar
indo até o Itanhangá. São descendentes de -10m/seg, além de se pousar na Praia da Barra com vento bem mais forte do que em São Conrado, andando de ré sofrendo os efeitos dos rotores formados pelos
prédios da Sernambetiba. Já passei por isso (92) e fui arrastado na areia como um saco de papel em direção à arrebentação. O vento NE na Barra sopra inclinado mar a dentro, principalmente a partir do Pepê.
Até prova em contrário, eu pretendo adotar os seguintes procedimentos para evitar situações de
emergência:
1. Prenúncio de ventão, não voar.
2. Aumento do vento durante o vôo (sem indícios antecipados). Em caso de atmosfera não turbulenta usar o acelerador para aumentar a velocidade do parapente com melhor performance. Para aumentar velocidade do parapente com maior taxa de afundamento, acelerar com orelhas.
3. Roubada completa próximo ao relevo (mata), arborizar de nariz para o vento. Se tiver que optar
entre pedras e a água, pouso na água com vento de nariz, liberando os tirantes da select antes de
cair na água.
4. Não consigo mais penetrar contra o vento sobre ou ao lado da Gávea, derivo em direção ao mar,
afastando-me do paredão S, coloco vento de cauda e preparo-me para cair na pororoca da Gávea, em caso de descontrole total da vela no rotor, reserva.
5. Com ventão, stol de B e espirais estão fora de questão.
Bons vôos, com segurança.
Marcelo Rambo.

Veja as últimas fotos do vôo do Renato de domingo, 30 de novembro