Feriado de Finados, terça feira
2-11,era 7:30 da manhã, toca o telefone,... atendo...
,cheio de sono ,era o Renato .
Tava empolgadão para voar ,era um lindo dia,céu azul,
me arrumo rápido e desço,na garagem ,minha velha Parati
jasia com o pneu arriadão.Droga ia me atrazar para
aquela tremenda farofa, quem sabe um novo Cristo como da
semana passada.
Quando cheguei na lagoa ,meu caminho obrigatório,vi
nuvens passando rápido,na direção leste,isso me fez
desanimar e dar uma prioridade ao pneu furado,mas naquele
dia feriado passei em 3 borracheiros ,tudo fechado,
tentei aquele da subida das Canoas, tava aberto ,legal.
Foi quando o Renato já da Praia me ligou de novo...-E
aí bicho...?-Tá chegando?ele sempre falava assim.. .
Expliquei o meu drama e já iria encontrá lo,fiz mensão
as nuvens que lá em cima passavam
meio rápido sobre a rampa.O dia anterior tinha sido
marcado pele incidência de ventão.
Encontrei o cara logo depois ,lá estava ele sempre
gentil e simpático ,com a sua esposa e seu
pequeno, todos ali para ver o vôo do Papai com seu
parapente novo recém ,adquirido.
Pudera depois da propaganda que ele fez do vôozaço que
fizera na vespera ,no domingo...E que me deixou feliz e
orgulhoso do menino,pois eu lhe encinei a voar.
Renato era sem dúvida uma boa promessa,tinha tudo para
ser um ótimo piloto,era calmo , frio , habilidoso ,tinha
uma ótima noção de time do parapente,só pousava na
graminha ,fazia tudo com muita segurança e habilidade.
Tinha comprado um novo parapente ,o Eletron , o seu
antigo era um Uno,pequeno para seu peso e agora se sentia
turbinado.
Mas aquele dia estava meio estranho,na praia um ventinho
meio forte para aquela hora da manhã.
Sugeri então que não subissemos logo, pois tinha um
paraca montado a muito tempo lá em cima, era certamente
um indício de condição não ideal, vento lateral ,sei
lá... caudal,pois ele nunca decolava,demorou ,demorou
,até que foi...Era o Renato Pereira,com seu Proton.
Fez um vôo bonito ,após algumas ralações botou pra
cima na enroscada e foi...
Foi pra Gávea,aí começava um belo vôo de farofa
.Começava uma revoada que prometia...
Logo depois Lulu ,Marcelo Abdo voando no Futura do Toledo
fizeram uma Gávea linda!
O Renato ,querendo que eu subisse como companhia,queria
que eu tirasse umas fotos ,as primeiras (ele não tinha
nenhuma foto voando ,naquele dia veio equipado com camera
fotográfica com o paraca novo),mas ele não conhecia
muita gente em São Conrado, o Waltinho era uma das
poucas exceções ,a quem comprou o Eletron.
Eu acabava de receber uma ligação do Pedro Chaves a
respeito de uns duplos de uma familia paulista em que 3
iriam voar.
Não poderia mais subir com ele ...então avisei lhe da
mudança dos meus planos, reparei que ele
estava entretido, observando admirado o vôo lindo que a
galera fazia.
Havia algo errado,porém, algumas rajadas fortes
...,lapadas de vento que em alguns momentos
levantavam poeira ,mas alguns momentos que abrandava
também.O Lulu comentava com o Alvaro que ele estava
amarelado, tava a maior farofa e ele não fora subir pra
voar.
10:30: ele resolveu subir com ex alunos do Waltinho acho
,me despedi rápido e pedi lhe que tomasse as
precauções necessárias devido ao vento e eu ficaria
até 11:00 para subir com os paulistas, que eu iria voar
duplo e que me aguardasse que poderiamos voar juntos.
Logo depois que ele subiu, o vento ficou bem mais forte o
mar agora estava encarneirando,vi o Rui Marra aproximando
pelo meio e pousando junto ao Quiosque do Carlinhos,agora
ficava preocupado,eu ia voar duplo e o Renato subira pra
voar.
Quando chegaram ,os paulistas, havia uma menina de 13
anos de 45 Kg a qual resolvi passá la para o Saquá ,por
ser mais leve e ela queria mesmo voar de asa delta.
Subi no Honda Civic deles, quando cheguei lá na Rampa
,tive a notícia que 2 haviam sido voados,para traz da
Gávea , o vento na rampa era forte porém perfeitamente
voável,mas na praia eu via um mar esbranquiçado, muitas
asas e alguns parapentes na Agulinha um deles era o Free
X do Martin.
Comentei com o Hélio que estava na rampa e perguntei se
iria decolar ,ele disse que iria observar,
comentou o fato dos parapentes que foram e não voltaram
.Decidi que esperaria e fiquei observando o vôo lá da
rampa , foi quando vi o Renato, ele estava no meio da
praia descendo reto ,comentei com todos: -Olha lá o
Renato
Olha ! Ele é muito bom, avaliando a condição e fazendo
o certo, perdendo altura no lugar certo...(comentava eu
com o Hélio ,com um certo orgulho dele).Ele perdia
altura ,como eu havia visto o Rui Marra fazendo,quando de
repente para minha surpresa ele mandou para o tunel, aí
eu tremi, mas ele conceguiu ainda voltar ,ele continuava
parachutando lentamente, para meu alívio.
De repente mais um bordo para tras,agora estava sobre o
mar e voava pra tras ,mais uma curva, dessa vez para cima
do tunel.Agora voava lentamente para tras derivando para
dentro do morro, para dentro e para tras mas desta vez de
ré. Muita turbulencia por ali, agora mais atras ,em um
segundo ,uma negativa e desapareceu da minha vista, -que
chato arborisou pensei eu...Logo depois veio o
Helicóptero,em questão de segundos, decola e pousa no
Gramado,de lá de cima pensei ,o Renato já arrumou o
taxi aéreo e vai chegar de helicóptero.
Tinha acontecido muita coisa em pouco tempo ,agora eram 3
que passavam para tras inclusive o Renato.O Hélio agora
descia desistindo de voar de vez,eu também desitia , mas
esperaria para ver a menina decolar com o Saquá. Eu
esperaria mais alguns minutos e liguei para o Renato.Atendeu
a secretária, disfarçando alguma preocupação , deixei
recado,para ele me ligar,assim que fosse possível e
dizendo que com certeza que estaria tudo legal com ele.
Enquanto isso esperava a menina decolar com o Saquarema,
fico um pouco guia turístico, quando cicerono alguém
que está sobre minha responsabilidade,mesmo quando não
vôo, naquele momento disfarçava a minha preocupação
com aqueles turistas ,pois o Renato não tinha retornado
a ligação , ainda e a demora para o Saquá decolar com
a menina me angustiava.
Toca
o telefone pra mim.
Foi o pior telefonema da minha vida ,sem dúvida .
O Hélio me disse:
-O teu aluno morreu.
Isso veio como uma punhalada ,uma dor aguda me abateu.
Que sacanagem ,pô Hélio com isso não se brinca ...
Eu ainda aguardei alguns minutos para descer ,estava
transtornado,pensava em tudo ao mesmo tempo,minha cabeça
rodava,rodava...O Renato?... não podia crer ele que era
tão seguro , tão habilidoso ,tão bacana , meu amigo
.Estava comigo a meia hora atras ...
Na praia o astral ou melhor ,o baixo astral dava pra
sentir de longe.O primeiro a encontrar foi o Waltinho,seu
camarada e amigo também, estava maluco.
O Lulu arrasadão... ,mas havia alguma esperança
,alguém dissera que havia pulso,e foi com essa
esperança que me apeguei no longo engarrafamento que
encarei de São Conrado até o Lourenço Jorge.Afinal há
sempre tanta precipitação nas informações.
Quando
lá cheguei, foi só tristeza, como o Renatinho seu
filhote que estava sem saber de nada, o Renato Pereira
que estava lá segurando as pontas, tentando distrair o
menino enquanto a Cris sua esposa voltava lá de dentro
em prantos,o Rui Marra estava lá,além do China, da
Camira e o namorado além do Salada que foi quem me deu a
notícia do triste fim,desfazendo as minhas últimas
esperanças...
O Renato Pereira depois de tudo teve uma crise de choro
que nunca vou esquecer.
Fiquei lá com eles seus familiares ,velando meu
amigo,até a hora da remoção.Não o vi sem vida graças
a Deus,seria demais.
A causa da morte ,ele teria se chocado e cravado na fenda
de uma pedra e teria tido fratura da cervical em vários
lugares,teve hemorragia e morreu na hora, segundo
depoimentos posteriores.
Da minha parte acho que o Renato Seixas (meu amigo e ex
aluno,formado em dezembro de 98,foi o primeiro dos meus
alunos e só tinha elogios para ele),mas cometeu vários
erros de estratégia de vôo.
O
primeiro, ter retardado o seu pouso quando a condição
foi ficando limite,não teve a observação do mar,um dos
primeiros sinais que o vento tinha acelerado.
O segundo, ter feito aproximações para cima do tunel
com aquele vento,duas vezes sendo a última imperdoavel.
O terceiro, quando tudo estava quase perdido ter ido para
o rotor, quando poderia ter optado pela arborizada.
O quarto , apezar de ter um acelerador dado por mim a
muito tempo atras,(estava dentro da selete) e ele nunca
lembrava de instalar.
O quinto, ter decolado sem observar os seus limites.
Justificativas , conciderações ou teorias:
O
Renato estava testando um novo paraca e estava
deslumbrado,pois se sentia muito mais poderoso
O vôo que ele havia realizado na véspera,lhe havia dado
essa ilusão.
O Renato queria que lhe fossem tiradas fotos ,como a
esposa estava no pouso,ele talvez quizesse pousar junto
deles, para ser focado mais de perto,num pouso no gramado
.
O paraca não era dele, o seu estava sendo comprado já
pago,esse era do Waltinho e ele estava testando,talvez
tenha evitado arborisar para evitar danificar o
equipamento que não era dele ainda e talvez tenha tido a
intenção de pousar num pequeno pátil atras do túnel.
Muitos
outros pilotos ,principalmente novatos ,já foram jogados
para o rotor do tunel,sendo um acidente ou incidente
corriqueiro dos mais praticados em São Conrado e que eu
me lembre ,nunca vi acontecer nada em termos de danos ou
lesões.
De
qualquer maneira nada se pode fazer mais ,a não ser
tirarmos as lições para que implantemos de agora em
diante procedimentos de segurança para todos que
tentemos cercar de todos os meios e maneiras ,formas de
proteção que sejam possíveis e é isso que ficou
decidido na reunião de quarta feira em que várias
normas de segurança foram planejadas ,e espero que
concigamos por toda a teoria na prática.
Pois da teoria a prática existe uma longa estrada a ser
cumprida.
Passo
então alguns ensinamentos de alguém que concidero um
dos melhores pilotos do Brasil,profundo conhecedor de
São Conrado e seus macetes.
Veja
procedimentos de emergência de Marcelo Araripe
Email
de Marcelo "Rambo"Araripe de 5 -11
Galera, vamos lá!!
Mais uma vez trocar a fechadura depois da porta
arrombada.......
As condições em São Conrado são
bastante previsíveis. É possível visualizar o ventão
E/NE, na
camada de 0 a 400 m, antes que este chegue na bacia de
São Conrado. Isto é feito observando-se o mar na
direção do Arpoador e da Ilha Rasa (a do farol). A
superfície do mar começa a ficar encrespada e
observa-se os carneirinhos desde o Arpoador. Normalmente
o ventão demora +/- 10 minutos para pipocar em São
Conrado, tempo suficiente para sair da roubada, basta
estar ligado no vôo e no que acontece ao seu redor.
A aceleração do vento na camada
acima de 400 m ( aquela que joga a galera no rotor da
Gávea),
normalmente é anunciada pela formação de nuvens
stratus ou stratus-cumulus sobre o mar em frente à
Ipanema e Leblon. O aumento da velocidade do vento nestas
duas camadas pode não acontecer ao mesmo tempo, bem como
pode vir de cima para baixo ou vice-versa.
Nos dias em que dá Gávea desde cedo
de E/NE (a partir de 10:00 solar) é quase certo que a
partir do meio-dia o vento engrosse e depois das 14:00
fique "invoável".
Quanto mais próximo se voa da Pedra
da Gávea, maior é a velocidade do vento devido ao
efeito
Venturi. Nos dias de vento mais forte, nunca voe atras de
uma linha imaginária, perpendicular ao
litoral e que tangencie a encosta E da Gávea. É uma boa
precaução para não andar de ré sobre o túnel e/ou
não cair no rotor da Gávea. Nos dias de Nordestão, a
velocidade do vento acelera bastante junto ao paredão S
da Gávea, principalmente abaixo do seu topo.
O rotor da Gávea é MUITO forte,a
esteira de turbulência se estende por mais de 2 Km
(aproximadamente 3X sua altura), num setor que se inicia
entre o Clube Costa-Brava e o Quebra-Mar
indo até o Itanhangá. São descendentes de -10m/seg,
além de se pousar na Praia da Barra com vento bem mais
forte do que em São Conrado, andando de ré sofrendo os
efeitos dos rotores formados pelos
prédios da Sernambetiba. Já passei por isso (92) e fui
arrastado na areia como um saco de papel em direção à
arrebentação. O vento NE na Barra sopra inclinado mar a
dentro, principalmente a partir do Pepê.
Até prova em contrário, eu pretendo adotar os seguintes
procedimentos para evitar situações de
emergência:
1. Prenúncio de ventão, não voar.
2. Aumento do vento durante o vôo (sem indícios
antecipados). Em caso de atmosfera não turbulenta usar o
acelerador para aumentar a velocidade do parapente com
melhor performance. Para aumentar velocidade do parapente
com maior taxa de afundamento, acelerar com orelhas.
3. Roubada completa próximo ao relevo (mata), arborizar
de nariz para o vento. Se tiver que optar
entre pedras e a água, pouso na água com vento de
nariz, liberando os tirantes da select antes de
cair na água.
4. Não consigo mais penetrar contra o vento sobre ou ao
lado da Gávea, derivo em direção ao mar,
afastando-me do paredão S, coloco vento de cauda e
preparo-me para cair na pororoca da Gávea, em caso de
descontrole total da vela no rotor, reserva.
5. Com ventão, stol de B e espirais estão fora de
questão.
Bons vôos, com segurança.
Marcelo Rambo.
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